Esta matéria intenciona publicizar o projeto de pesquisa intitulado “Colonialidade do poder, saber, ser, viver e de gênero: aprendendo novos conceitos a fim de entender a sociedade” levado a cabo por mim, acompanhada por quatro estudantes do ensino médio técnico, sendo três do técnico em informática - Luara Ruiz Dias, Lorrana Silva Damasceno e Bruno Almeida de Cristo e uma do técnico em agropecuária – Ana Clara Rodrigues Marchet. Este projeto recebe bolsas através da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul entre novembro de 2023 e setembro de 2024. É bom lembrar que projetos na área de sociologia com financiamento são escassos no sudeste de Mato Grosso do Sul, e, por este motivo, é muito importante que o Instituto Federal do Mato Grosso do Sul possa estar a frente de tão promissora ideia.
A imagem que representa o projeto é uma obra de arte de 1943 de um uruguaio chamado Joaquin Torres García na qual aparece desenhada em tecido um mapa da América do Sul invertido para mostrar que nosso “Norte é o sul!”. Desta forma, no projeto, substituímos o verbo nortear por sulear, para realmente propor um giro decolonial, transgredir a norma de que temos sempre que utilizar autores, ativistas, personagens históricos do hemisfério norte para significar nossas subjetividades produzidas aqui, no hemisfério sul, colonizado e precarizado de diversas maneiras.
O nosso mapa-múndi tem como centro o meridiano de Greenwich, que nada mais é do que um rio que corta a cidade de Londres, capital da Inglaterra, colocando aquele país como centro do mundo, imperialista e berço da Revolução Industrial. Entretanto, os mapas e a história podem ter novos centros e novas perspectivas, como o faz agora o movimento negro com a Sankofa e o movimento indígena com o Bem-viver. Suleando nossas escritas, podemos descolonizá-las e o sentido, a episteme daquilo que ansiamos estudar, passa a não mais ser um “espelho distorcido” de nós mesmos, para citar Aníbal Quijano, pensador peruano, podendo ser, enfim, ajustado à nossa realidade de Améfrica Ladina, como diria Lélia González, socióloga brasileira. Somos latinos, africanos e indígenas, temos este amálgama cultural em nossos corpos, rostos, pensamentos, costumes e ações.
Ao escrever em Nova Andradina, me vem à mente a nossa cultura caipira, com todos os elementos que esta característica nos proporciona, e, que foram tão bem caricaturizados no cinema de Mazzaropi e na música de Inezita Barroso, por exemplo.
Apesar da alta tecnologia empregada hoje no campo brasileiro, os nossos antepassados, pintados no retrato de casal ovalado, e, pendurado em muitas casas, o terço na parede e o filtro de barro, dentre outros elementos visuais que conhecemos, nos remetem a este passado nem tão longínquo assim. Há uma ferida colonial que nos impede de enxergar toda riqueza cultural, econômica e social de nossas comunidades locais, minoritárias politicamente, porém que contribuíram com a escalada da humanidade rumo ao progresso humano e científico.
Desde os anos de 1990 um grupo de intelectuais do sul se reuniu para pensar sobre a modernidade e colonialidade. Ambas duas faces da mesma moeda: a globalização. A cara da globalização, a modernidade, é bela e remete ao futuro. Ela simboliza os avanços, as descobertas e aperfeiçoamentos da técnica, da tecnologia e da ciência. A coroa, por sua vez, colocada por autoridades, governantes e afins para debaixo do tapete: é o resultado de nossa herança colonial, a estrutura de racismo, misoginia, aporofobia e homofobia que vivenciamos no cotidiano, e, que fabrica, lapida e atravessa as identidades no contemporâneo. Enquanto sociedade, fomos produzidos pelo colonialismo, que foram os séculos de colonização, onde sofremos com escravização, genocídios vários, morte de uma gama de conhecimentos e elementos culturais dos povos originários, extração de nossas riquezas naturais e exploração econômica desenfreada de nossos territórios. Esta é a diferença entre colonialismo e colonialidade. Um é o processo que passamos no qual fomos destituídos de nós mesmos para servir aos colonizadores, o outro, o que somos hoje.
Outro conceito em debate é a ideia de sistema-mundo de Immanuel Wallerstein. Ele substitui a palavra sociedade por sistema-mundo. Apesar de este autor ser anterior a esta discussão paradigmática perpetrada por autores e autoras decoloniais e pós-coloniais do hemisfério sul e ser ele próprio um sociólogo estadunidense, seu conceito é utilizado por esta perspectiva, o de que a circulação de pessoas, mercadorias e correntes teóricas obedecem a uma ordem sistêmica mundial impactada pelo capitalismo e que desencadeia crises demográficas, políticas e ambientais. O grupo modernidade/colonialidade acrescenta à teoria deste autor de forma ao conceito ser: sistema-mundo moderno/colonial. Ou seja, o sistema capitalista só se produziu por completo com a invenção da América.
Outra palavra a ser repensada é a Universidade que nesta perspectiva do Grupo Modernidade/Colonialidade vai ser substituída por Pluriversidade. A pluralidade cultural e os conhecimentos dos mais variados povos devem ser socializados no espaço educacional destas autarquias, de forma que epistemologias outras possam fazer parte dos currículos, das grades oficiais dos cursos ofertados. Este grupo modernidade e colonialidade é formado por diversos autores que escrevem aqui na América Latina e Caribe e reivindicam protagonismo em suas chaves de leitura de mundo, agora repaginadas pela descolonização e crítica à modernidade. Pretendo escrever com meus bolsistas e trazer novos textos a este jornal, se assim a equipe editorial e os leitores quiserem e permitirem. Nas próximas discussões, trarei os objetivos específicos de cada um deles em nosso projeto, e, como está o envolvimento com suas temáticas. Muito obrigada!
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